Salvar o fogo de Itamar Vieira Junior foi o livro escolhido pelo nosso clube para o mês de agosto. Esse foi o primeiro livro de um autor homem que lemos para o clube.
Segundo romance do autor do sucesso literário Torto arado, Salvar o fogo expõe feridas profundas do Brasil ao abordar temas como disputas de terra, colonialismo e o domínio do Catolicismo.
Numa aldeia rural na Bahia chamada Tapera do Paraguaçu, cujas terras pertencem à Igreja, que ali mantém um mosteiro construído no século XVII, vive Luzia. Depois de perder a mãe por "melancolia" e ser deixada para trás pelos irmãos que vão em busca de uma vida melhor, cabe a ela ainda muito jovem cuidar do pai e do menino Moisés.
Marcada por um passado trágico, Luzia carrega uma corcunda nas costas, que é vista pelo povo da aldeia como algo causado pelo Mal e a torna motivo de chacota. Apesar disso, dedica-se inteiramente à família, à vida religiosa e ao trabalho de lavadeira do mosteiro.
Em meio às dificuldades que Luzia e a sua família enfrentam, o afeto é escasso assim como a terra; não está em palavras nem em demonstrações típicas de carinho, mas em outros tipos de gestos: numa cena de cuidado com o cabelo de quem se ama, nas decisões que se faz para tornar a vida do outro melhor.
“Afeto era roupa lavada, comida na mesa e união contra as tormentas. Resistir como família era a maior prova de bem-querer.”
Luzia matricula Moisés na escola da Igreja para dar a ele a educação que ela e os outros irmãos não puderam ter.
O menino leva o nome do personagem bíblico que, após o nascimento, foi escondido por três meses, antes de ser colocado num cesto à margem do Rio Nilo. Foi nas águas do Rio Paraguaçu que o menino nasceu e será através delas que mais tarde ele deixará o povoado marcando a vida de Luzia.
Esse mesmo rio atravessará toda a história de Luzia, conectando-a com familiares distantes de ontem e hoje.
“O Paraguaçu era o caminho de toda uma vida, e do povo que andou por essas terras antes de nós, e tornaria mais leve e mais pesado o meu fardo.”
O fogo, assim como rio, tem um papel importante no livro e confere algo de mágico à obra. O mesmo fogo que traz a comida à mesa tem o poder de arruinar uma família.
Com a chegada da Igreja à Tapera, as crenças e os saberes de origens africana e indígena passam a ser estigmatizados. O fogo é então visto como sinônimo de pecado e mau agouro.
“Tentou apresar uma ínfima chama sob um copo de vidro, desaparecida quando não pôde mais respirar. Foi a sua primeira lição: o fogo só existe livre. Por assim ser, só poderia ser observado e sentido, admirado e respeitado, reverenciado e temido.”
As semelhanças com Torto arado são nítidas e vão além dos temas. Quem leu o primeiro romance do autor talvez identifique duas personagens emprestadas desse livro. Itamar também repete o formato do primeiro com capítulos narrados por diferentes vozes. Mas diferentemente do seu antecessor, Salvar o fogo nos prende com uma narrativa cheia de segredos que são revelados ao longo da história de forma apressada.
Outro ponto fraco do livro é que, se suas personagens femininas são complexas, potentes e bem construídas, seus contrapontos masculinos são rasos e carentes de pluralidade. E se isso até funciona com os monges da Igreja e os demais antagonistas da história, nos faz deixar o livro querendo saber mais sobre Moisés, que passa boa tarde do tempo tentando descobrir a verdade sobre a sua origem e é vítima de um Brasil corrompido pelo colonialismo tanto quanto Luzia.
Em agosto, o Clube Margem comemora um ano!
Nesse tempo, lemos histórias de autoras brasileiras, latinas e asiáticas. Falamos sobre os temas que nos tocam, como identidade, maternidade, questões sociais e, sobretudo, sobre a vida de imigrante. Também conhecemos mulheres incríveis que fizeram da Holanda a sua casa.
Para celebrar a existência do clube, no próximo domingo, dia 27 de agosto de 2023, além do nosso encontro sobre o livro Salvar o fogo de Itamar Vieira Junior, também organizaremos uma festa com música, comida e troca de livros. Tanto o encontro quanto a festa acontecerão em Amsterdam. Para saber o local e mais informações sobre o evento, inscreva-se gratuitamente neste link.
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SETEMBRO
📚 Pertencimento: uma cultura do lugar, de bell hooks
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Um abraço e até a próxima,
Maíra e Nara